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Ensaios

Veja aqui algumas reflexões sobre temas da contemporaneidade e outros assuntos de interesse geral.

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Os Mortos são Cringe?

Sobre o termo cringe tão debatido e com milhares de interlocuções postadas nos últimos dias. Segundo o senso comum esta palavra espelha um tratamento direcionado à geração Millenium pela geração Z. Parece uma reinterpretação que atribui um significado bem específico para um termo antigo. Expressa um profundo desgosto com algo tão intenso que chega às raias do asco.

A palavra cringe em inglês é um verbo cujo significado deslizou para adjetivar todos os costumes que são entendidos como ultrapassados. Cringe trata-se de uma corruptela de cringan do inglês arcaico que seria dar-se por derrotado, ser vencido em batalha, curvar-se, dar passagem e de modo análogo enrugar ou encolher-se.

Uma expressão que já nasce datada como alcunha de uma geração fazendo troça da antecessora. O próprio espírito de ressignificação de um termo pré-existente traz em si uma marca recorrente do que acontece frequentemente na cultura Não é disruptivo, tampouco subversivo. É uma alcunha de desdém que marca muito menos uma pretensa ruptura na linguagem e que acaba validando-se como uma afirmação da atitude carregada de um preconceito. Um juízo de valor que denuncia a ortodoxia extremista de uma geração que se percebe como detentora da verdade. Porém denota uma preocupação superficial, com único propósito de destituir de juventude as gerações anteriores. Parece ser de pouca importância reconhecer que essas gerações contribuíram para criar e implementar a cultura digital. O argumento para silenciar esse lugar de fala faz-se ridicularizando seus hábitos. Traduz um deboche da forma, descompromissada de uma crítica mais profunda ou com alguma reflexão estética.  Parece sugerir um rito de passagem tão primitivo e que em seu apelo de sucessão nada tem de novo. Escancarar a decadência da lei da horda primitiva acaba por afirmar o primado da lei em si mesmo assimilada. Envelhecer não é uma opção, e, de modo similar, não há como fazer da juventude um ofício vitalício ou tentar se apropriar de um status quo em permanente mutação. A alternativa ao envelhecimento não é de modo algum uma maneira viável de congelar a juventude, na morte o sujeito fica aprisionado ao passado não mais vive no presente e assim deixa de existir… Os mortos jovens eternalizados em sua imagem não são mais os jovens de hoje. Hoje são apenas a juventude datada e ultrapassada em sua rebeldia contra um momento e outra geração antecessora e que também já não existe mais.

No entanto falta entender por que debater esse neologismo tornou-se tão importante que isso tenha inundado os posts da última semana. O tempo é implacável com todos, cringe é a democracia do tempo para com todos. Artur Xexéo morreu hoje aos 69 anos e era tão jovem que jamais será cringe. Falar de cringe na semana que vem será cringish!

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